Faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu (Mt 6.10): Agora Mexeu Comigo!
Existe um sentido em que orar “santificado seja o teu nome” e “venha o teu reino” é menos pessoal do que orar esse terceiro pedido da “oração do Pai Nosso”. “Seja feita a tua vontade” diz respeito à vontade de Deus prevalecendo no mundo e, dessa forma, prevalecendo também sobre a minha própria vontade. É aí que a porca torce o rabo!
Uma das faculdades do nosso coração (no pensamento bíblico, e da mente, no pensamento contemporâneo) é a vontade. Junto com a razão, as emoções e a fé, a vontade tem um papel muito importante em nossa vida. A Bíblia usa vários termos para se referir à nossa vontade: desejos, concupiscência, fome, sede, anseio.
A nossa vontade depende de uma série de outros fatores mais profundos que formam a nossa visão de mundo: história de vida, constituição genética, convívio familiar, influência da cultura/sociedade e ação sobrenatural sobre nós. Assim, as nossas vontades revelam em grande medida quem somos. O pecado de nossos primeiros pais e representantes fez com que a imagem de Deus em nós se deteriorasse e, dessa forma, a nossa vontade se corrompeu.
Adão e Eva desejaram ser como Deus e comeram do fruto proibido. Caim desejou ser aceito por Deus independente de seu procedimento e resolveu matar seu irmão ao ver seu desejo frustrado. Ele ouviu de Deus algo que é verdadeiro a respeito de todos os pecadores: “o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo” (Gn 4.7). O povo que Deus libertou do Egito tinha uma cerviz dura (Êx 32.9), ou seja, tinha grande dificuldade de se submeter à vontade de Deus, enquanto aspirava pelas condições da escravidão em vez da liberdade junto a Deus. Davi teve vontade de possuir Bate-Seba (2Sm 11). Os profetas advertiam o povo por se entregarem às suas vontades pecaminosas e Provérbios adverte contra várias vontades danosas. João parece implicar que o mundo anda de acordo com as vontades da carne e dos olhos (1Jo 2.16-17). Paulo diz que uma das punições de Deus aos homens que o conhecem e o desprezam, é entregar-lhes às vontade do seu próprio coração (Rm 1.24) e que o pecado em nós faz com que os mandamentos despertem em nós toda a sorte de concupiscências (Rm 7.8). A nossa natureza pecaminosa gera desejos pecaminosos contra os quais a única solução é andar no Espírito (Gl 5.16, 24). Paulo chama esses desejos pecaminosos de concupiscência do engano (Ef 4.22).
Em suma, por causa do pecado cometido pelo nosso representante, Adão, o nosso coração e mente foram corrompidos e o resultado é que temos uma tendência pecaminosa “natural” de desejar aquilo que é contrário à vontade de Deus. Queremos receber louvor em vez de dá-lo, queremos ter coisas em vez de dar e dispô-las ao serviço de Deus, queremos que as pessoas e Deus se submetam à nossa vontade nas mínimas coisas e nas grandes também. Olhamos coisas e queremos, mesmo quando sabemos serem erradas. Queremos lucro, sucesso, poder, prazeres, bens materiais, comida em excesso, subjugar outros… Queremos que a nossa vontade seja feita nos céus e na terra!
É por isso que o terceiro pedido da oração dominical nos confronta tanto. O próprio Jesus teve que orar essa oração quando a sua vontade humana e a do Pai entraram em conflito: “Meu Pai, se não é possível passar de mim este cálice sem que eu o beba, faça-se a tua vontade” (Mt 26:42). Após orar essa oração Jesus crucificou a sua própria vontade e voluntariamente se sacrificou.
Esse pedido da oração dominical é para que Deus realize a sua vontade boa, perfeita e agradável na terra da mesma forma que essa vontade é feita no céu, o lugar do trono de Deus, onde os santos anjos o servem e adoram. Entre as dimensões desse cumprimento estão as dimensões cósmica, nacional, eclesiástica e pessoal. Na dimensão cósmica o pedido é para que tudo o que Deus criou cumpra o papel original determinado por Deus, é um pedido por shalom. Na dimensão nacional é um pedido para que a nação aprove leis e tome decisões que seram favoráveis à vontade revelaca na Palavra. Do ponto de vista eclesiástico, seja feita a tua vontade, é um pedido para que a igreja de Jesus Cristo abandone a competição entre as denominações, a politicagem e os escândalos e cumpra o seu papel de ser coluna e baluarte da verdade, enquanto ao mesmo tempo se preocupa em cuidar dos pobres. Finalmente, na dimensão pessoal, esse pedido expressa um clamor por socorro na decisão de viver de acordo com a vontade de Deus, crucificando a própria vontade. É uma decisão/pedido de viver uma vida de santidade, onde a vontade revelada de Deus nas Escrituras se torna o guia prático para as decisões e atitudes diárias em todos os contextos em que vivemos e papéis sociais que exerocamos. Leon Morris diz que o pedido “Não aponta para uma aquiescência passiva, mas para uma identificação ativa do adorador com a consumação do propósito divino; se nós oramos isso, devemos viver dessa forma”.
Finalmente, existe um aspecto escatológico nesse pedido também. Craig Keener o comenta da seguinte forma: “A santificação do nome de Deus, a consumação de seu reino e o fazer de sua vontade são todas variações da mesma promessa do fim dos tempos: tudo será arrumado algum dia… Aqueles que anseiam pela vontade de Deus na terra no futuro, devem viver consistentemente com aquele desejo no presente, trabalhando pela justiça e procurando fazer a vontade dele aqui (6.33; 26.39)”.
Eu e você temos vontades que não agradam a Deus. O nosso natural não é obedecer aos mandamentos de Deus. Assim, precisamos lutar para conformar as nossas vontades à dele, fazendo morrer as nossas vontades pecaminosas e vendo o reino dele se consumar em nossa vida e o nome dele santificado por nosso intermédio. Quais são as tuas vontades que têm contrariado a vontade revelada de Deus? Quais são as áreas de sua vida ou hábitos pecaminosos que precisam ser crucificados? O que você precisa renunciar? Quais são as coisas que você não gosta de fazer, mas que refletem a vontade de Deus e, portanto, tem que ser feitas? Essa é a nossa luta de cada dia. Conformarmo-nos à vontade dele e encontrarmos, então, alegria e plenitude ao fazê-lo. Seja feita a tua vontade, Senhor, como no céu, também sobre a terra (γενηθήτω τὸ θέλημά σου, ὡς ἐν οὐρανῷ καὶ ἐπὶ γῆς•)
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