Bíblia Introdução aos livros bíblicos

Aprendendo com Deuteronômio: Introdução ao Quinto Livro do Pentateuco

O livro de Deuteronômio é o último livro do Pentateuco (Torá), que é o nome dado ao conjunto dos cinco primeiros livros da Bíblia escritos por Moisés. Deuteronômio foi escrito em torno de 1406 a.C. O nome do livro significa segunda lei e em hebraico o mesmo é chamado de ‘elleh haddevarim (Estas são as palavras).

Moisés já tinha sido avisado por Deus que morreria sem entrar na terra prometida. O povo que iria entrar não tinha vivido várias das experiências do Êxodo e de toda a caminhada pelo deserto. Moisés, então, junta o povo a leste do Jordão, na terra de Moabe (veja Dt 1.5, 1-2), reconta a história do Êxodo e lhes relembra as leis e os estatutos de Deus. A macroestrutura do livro é bastante simples:

 

1.1—4.43 O Primeiro Discurso de Moisés

4.44—26.19 O Segundo Discurso de Moisés

27.1—30.29 A Renovação da Aliança

31.1—34.12 Últimas Palavras de Moisés e Sua Morte[1]

 

O que os estudiosos dizem…

  • “Qualquer que seja o padrão de referência, Deuteronômio é um dos livros mais importantes do cânon. Seu contexto histórico associa as experiências no Sinai e no deserto à conquista de Canaã e apresenta uma transição da liderança de Moisés para a de Josué. Devido à sua posição no cânon, Deuteronômio conclui o Pentateuco ao interpretar na prática Êxodo, Levítico e Números; contudo também oferece um arcabouço interpretativo para os Profetas Anteriores e Posteriores (Josué – Malaquias). Suas ênfases teológicas estabelecem o modo como Israel deve viver na terra que herdará do Deus que o escolheu. Seu estilo de exortação e instrução oferece um modelo retórico para historiadores, profetas, salmistas e sábios do AT. Fora do cânon hebraico, Deuteronômio está, junto com Gênesis, Salmos e Isaías, entre os quatro livros véterotestamentários mais citados no NT. O próprio Jesus, em Mateus 4.1-11, emprega passagens de Deuteronômio para resistir às tentações de Satanás. Sem sombra de dúvida, este livro, o ponto alto do Pentateuco, merece análise teológica cuidadosa”. (Paul House, Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Acadêmica, 1998, p. 213)
  • Como um todo, portanto, o livro de Deuteronômio pode ser considerado de forma legítima como uma promulgação popular das questões espirituais e morais inerentes à revelação da Aliança no Sinai.[2]
  • O livro de Deuteronômio não contém anto “uma recapitulação das coisas comandadas e feitas, conforme relatadas em Êxodo, Levítico e Números (Theod.), como “um compêndio e sumário de toda a lei e sabedoria do povo de Israel, na qual aquelas coisas que dizem respeito aos sacerdotes e levitas são omitidas e somente as coisas que o povo em geral deveria saber são incluídas” (Lutero). Consequentemente, o livro não é meramente uma repetição e sumário das leis e eventos mais importantes contidos nos livros anteriores, menos ainda um “convite à lei e ao testemunho” ou uma “lei fresca e independente para ficar lado a lado com a anterior”, ou uma “transformação da lei antiga para se adequar a circunstâncias diferentes”, ou “meramente um segundo livro da lei escrito para pessoas que não conheciam a lei (Ewald, Riehm, etc.); mas uma descrição, explicação e reforço hortatórios do conteúdo mais essencial da revelação da aliança e das leis da aliança com prominência enfática dada ao princípio espiritual da lei e seu cumprimento, e com um desenvolvimento posterior da organização eclesiástica, jurídica, política e civil, que era intendida como um fundamento permanente para a vida e bem-estar do povo na terra de Canaã. Não existe o menor traço, ao longo do livro, de nenhuma intenção de dar uma nova ou segunda lei.[3]
  • Em termos literários, [Deuteronômio] é um livro ímpar; nenhum outro livro do Antigo ou Novo Testamento lhe é similar. É único por causa das circunstâncias históricas nas quais veio a existir, por causa do seu papel canônico em todo o corpo da Bíblia e por causa de sua importância teológica, especialmente porque isso é realçado pelos profetas, sobretudo por Jeremias.[4]
  • “Deuteronômio é um livro sobre uma comunidade que está sendo preparada para uma nova vida. Dificuldades e deserto ficam para trás; a terra prometida se mostra à frente. No presente momento, há um chamado para um novo compromisso com Deus e um recente entendimento da natureza do compromisso o povo de Deus. Mesmo que o cenário tenha sido assentado há mais de três mil anos, Deuteronômio ainda é um livro de considerável relevância contemporânea”.[5]
  • Deuteronômio não é primariamente um corpus legislativo nem mesmo um simples registro histórico. Seu propósito é o de ser um registro das palavras proferidas por Moisés aos israelitas. O estilo é exortatório, isto é, aquele em que o orador usa palavras destinadas a mover a congregação ao compromisso e obediência ao Deus da aliança. Assim, embora Deuteronômio, em sua presente forma, seja uma peça literária, é importante manter em mente a autodescrição do livro como sendo um relato de palavras que foram faladas.[6]

 

Lições de Deuteronômio

  • O Dever do Amor: Ao contrário de ser dura e antipática, a lei de Deus em Deuteronômio trata principalmente do dever do amor a Deus, ou seja, visa relacionamento. Com 23 ocorrências do verbo (אָהֵב), Deuteronômio é o terceiro livro do Antigo Testamento com mais ocorrências do termo.[7] É o próprio Deus quem ama primeiro (Dt 4.37; 7.8, 13; 10.15) e o principal dever que ele exige de seu povo na aliança é que eles o amem em resposta ao seu amor (Dt 6.5; 10.12; 11.1, 13, 22; 19.9; 30.6, 16, 20). Ele quer abençoar aqueles que o amam (Dt 5.10; 7.9). Deus testa o amor de seu povo por meio de falsos profetas (13.4). Deus também coloca sobre o seu povo o dever de amar o estrangeiro assim como ele mesmo os ama (10.18-19). Esse relacionamento de amor implicaria em temor, obediência, bênçãos, culto, comer na presença do Senhor e alegria. Deus tinha ótimas coisas para o seu povo e todas elas vinham de sua graça para eles.; a mesma graça que os havia escolhido e perdoado várias vezes. Se depois de todo esse amor oferecido, o povo escolhesse a rebeldia, Deus os puniria com grande rigor e eles sofreriam maldições parecidas com aquelas que sofriam os povos que eles estavam expulsando. Deus e gracioso e amoroso, mas também é santo e justo.
  • Soberania de Deus: Deus é o Senhor totalmente soberano sobre tudo e todos. Ele tem o direito como Criador e Rei de punir com morte ou perdoar graciosamente e deixar viver, de estabelecer leis e de abrir exceções, de destruir povos e escolher povos. Ele é o Senhor.
  • Salvação pela Graça: A escolha de Israel por parte de Deus teve como motivo o amor e compromisso que o próprio Deus quis estabelecer com os patriarcas e os descendentes deles. Não havia nada naquele povo em especial que pudesse atrair a Deus (Dt. 7.7-11; 8.10—9.6).
  • Gravidade do Pecado: Os nossos pecados trazem graves consequências. O povo peregrinou em círculos pelo deserto durante quarenta anos por causa de seus pecados e rebeldias. Moisés deixou de entrar na terra prometida por causa de ter ficado irado.
  • Aliança com Deus: A maneira que Deus escolheu para se relacionar com os seres humanos é por meio de aliança, um acordo feito entre duas partes em que ambas têm deveres e direitos e há bênçãos pela obediência (4.1-39; 7.12-26; 28.1-14) e maldição pela desobediência (8.10-20; 27.9-26; 28.15-68). Os céus e a terra são tomados várias vezes como testemunhas da aliança de Deus com seu povo em Deuteronômio (4.26; 30.19). Essa aliança conta também com a participação de mediadores humanos, pessoas com quem Deus vai se relacionar de maneira especial como representantes do povo, assim como os sacerdotes e Moisés. Clique aqui para ver a ocorrências da palavra aliança no livro.
  • Bênçãos pela obediência e maldições pela desobediência: Deus sabe abençoar como ninguém. Ele é o nosso criador e sabe o que e o melhor para nós e conhece nossas necessidades. Se o povo obedecesse, Deus faria deles a nação mais abençoada, próspera e poderosa da terra. Por outro lado, Deus sabe amaldiçoar como ninguém. Ele é o pior inimigo que alguém pode ter. Ativa ou passivamente (deixando o homem andar segundo o próprio coração), Deus faria com que seu povo fosse pior do que animais e sofresse terrivelmente pela sua desobediência e desprezo do amor divino. Haveria sofrimento em todas as esferas da vida. Isso ensina sobre a abominação que Deus sente contra os nossos pecados. A bênção que Deuteronômio 30 anuncia é que havendo arrependimento, Deus restauraria o seu povo, não importando quão gravemente o houvesse ferido.
  • A Centralidade da Lei como Revelação da Vontade de Deus: As leis encontradas em Deuteronômio são a revelação da vontade de Deus para o seu povo, a fim de que eles tivessem uma vida próspera e abençoada na Terra Prometida. Ao mesmo tempo, as leis ensinam sobre o caráter de Deus. Alguns tipos de leis são: (1) leis para regulamentar os relacionamentos civis; (2) leis para regulamentar os relacionamentos familiares; (3) leis para regulamentar a não opressão dos mais fracos (pobres, estrangeiros, etc.); (4) leis que refletem o cuidado com os animais; (5) leis que afastam coisas que simbolizam a morte.
  • Outros temas importantes: alegria, destruição santa dos inimigos de Deus, repetição da história, lei de Deus para o bem do povo, lembrança de que foram escravos, questões familiares, profecias para o futuro.

 

Onde está Cristo em Deuteronômio?

Jesus Cristo pode ser encontrado de várias maneiras no livro de Deuteronômio. A seguir listamos apenas algumas:

  • O papel de Moisés como mediador da aliança fica bastante em evidência em Deuteronômio: Ele sofreu punição por causa do povo, ele intercedeu pelo povo, ele liderou o povo rumo à Terra Prometida, ele deu a lei para o povo e por meio de suas pregações ele prepara o povo para viver naquela nova realidade. Cada um desses aspectos do ministério mediatorial de Moisés encontra em Jesus o seu cumprimento perfeito e cabal.
  • Algumas das bênçãos antevistas e anunciadas no livro como o perdão da páscoa, o cancelamento de dívidas e libertação de escravos, as demais festas de Israel, a entrada no descanso
  • As referências aos ofícios de sacerdotes, profetas, reis e juízes tem seu cumprimento final todos na pessoa de Cristo Jesus. Aliás, em Deuteronômio 18.15, 18 encontra-se uma das mais importantes promessas específicas da vinda do Messias como o profeta semelhante a Moisés.
  • Em Deuteronômio 21.23 encontra-se a lei de que todo aquele que for pendurado no madeiro é maldito de Deus. Paulo usa esse texto em Gálatas 3.13 para afirmar que Cristo se fez maldição por nós para nos conceder as promessas de Abraão e o Espírito Santo (veja tb. 2Co 5.21).

 

Estude mais

 

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[1] Edward J. Young, Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1964, p. 101 et seq.

[2] R. K. Harrison, Introduction to the Old Testament. Grand Rapids: Eerdmans, 1969, p. 661

[3] Carl Friedrich Keil e Franz Delitzsch, Commentary on the Old Testament (vol. 1; Peabody, MA: Hendrickson, 1996), 845 (ênfase original).

[4] Gerard Van Groningen, Criação e Consumação: O Reino, A Aliança e o Mediador. Vol. 1. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 449. Segue-se à essa citação uma explicação muito boa de algumas características que tornam o livro único no cânon. Quando fala sobre a importância canônica do livro, por exemplo, van Groningen diz: “Deuteronômio é ímpar por causa do seu lugar e papel canônico nas Escrituras. Ele se encontra como ponto entre os primeiros quatro livros do Pentateuco, que narram o início e o desdobrar progressivo da revelação pactual redentora/restauradora e criacional de Deus Yahweh e a revelação profética, sábia, histórica que se segue (p. 450).

[5] Peter C. Craigie. Deuteronômio. São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 7.

[6] Peter C. Craigie. Deuteronômio. São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 17.

[7] Depois de notar essa característica no livro, fiquei feliz ao encontrar o seguinte comentário do Dr. Van Groningen: “Deuteronômio é ímpar por causa de sua importância teológica. Sua ênfase no amor de Yahweh pelo seu povo escolhido é apenas um dos fatores”. Gerard Van Groningen, Criação e Consumação: O Reino, A Aliança e o Mediador. Vol. 1. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 451.

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