Vida prática

Se você é um cristão e nunca enfrenta sofrimentos, você deve questionar se é mesmo um filho de Deus!

O meu coração te ofereço, ó Senhor, de modo pronto e sincero. Selo do reformador João Calvino.

Hebreus 12 é um dos textos que mais fala sobre a maravilhosa doutrina da adoção: aqueles que aceitam Cristo como Salvador e Senhor se tornam filhos adotivos de Deus. Essa é uma doutrina maravilhosa que traz conforto ao coração e consciência de que somos amados pelo Criador do universo. Nem tudo na doutrina da adoção, no entanto, é gostoso de se ouvir, e esse é o foco de Hebreus 12.

 

Hebreus 12.4 Ora, na vossa luta contra o pecado, ainda não tendes resistido até ao sangue 5 e estais esquecidos da exortação que, como a filhos, discorre convosco: Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado; 6 porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe.

 

Ellingworth resume o contexto histórico em torno da carta aos Hebreus assim: “(1) a maioria dos leitores tinha vindo do Judaísmo para a fé em Cristo, e (2) os leitores viviam em algum centro como Roma, onde o Judaísmo (mas não o Cristianismo) era bem estabelecido e oficialmente tolerado, assim poderia haver uma constante tentação de não enfatizar, esconder, negligenciar, abandonar e, assim, em uma crise, rejeitar e negar a dimensão distintivamente cristã de sua fé”.[1] Ou seja, face à perseguição que estavam enfrentando, os cristãos dessa comunidade estavam sendo tentados a abandonar o cristianismo. Era mais fácil deixar de lado o cristianismo e continuar vivendo em um contexto de aceitação e prosperidade.

Assim, depois de ter demonstrado nos capítulos anteriores a superioridade de Cristo a tudo o que o Judaísmo sem Cristo poderia oferecer, o autor de Hebreus afirma que aqueles cristãos ainda não estavam resistindo até o sangue em sua luta contra o pecado. Algumas lições ficam evidentes no versículo 4: (1) a vida cristã é uma luta; (2) nosso oponente é o pecado; (3) para vencermos nessa luta temos que nos esforçar ao ponto de derramar sangue. Você continua lutando ou desistiu? Tem enfrentado o pecado e consequente sofrimento cristão de frente, ou se deixou conformar ao mundo, escondendo a sua fé?

Note que o autor da carta não está fazendo perguntas, mas afirmações: “Vocês se esqueceram da palavra de ânimo”. A maioria dos cristãos que estão em crise, são cristãos que se esqueceram da Palavra. A Palavra é a nossa fonte de encorajamento e força para enfrentar a batalha da fé. E o que diz essa palavra?

 

Provérbios 3.11 Filho meu, não rejeites a disciplina do Senhor, nem te enfades da sua repreensão. 12 Porque o Senhor repreende a quem ama, assim como o pai, ao filho a quem quer bem.

 

O autor de Hebreus cita esse texto de Provérbios para provar que o sofrimento é parte integrante obrigatória da vida cristã. O sofrimento cristão é um item de série, não é opcional. Nada de pare de sofrer! A vida cristã é um convite a sofrer nas mãos do Pai amoroso. É a partir do versículo 5 que o autor de Hebreus vai enfatizar a doutrina da paternidade de Deus, aplicando-a a situação do sofrimento cristão. Deus castiga com açoites de chicote aos filhos a quem ama!

Nesses primeiros versículos, portanto, o ponto foi mostrar que os cristãos daquela comunidade não estavam resistindo ao pecado até o sangue e a razão disse era que eles haviam esquecido da Palavra que ensina a doutrina da adoção.

 

Hebreus 12.7 É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige? 8Mas, se estais sem correção, de que todos se têm tornado participantes, logo, sois bastardos e não filhos. 9 Além disso, tínhamos os nossos pais segundo a carne, que nos corrigiam, e os respeitávamos; não havemos de estar em muito maior submissão ao Pai espiritual e, então, viveremos? 10 Pois eles nos corrigiam por pouco tempo, segundo melhor lhes parecia; Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade. 11 Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça.

 

Porque o cristão sofre? Esse texto responde claramente, porque somos filhos e Deus quer nos disciplinar. A palavra grega aqui para disciplina é παιδεία (paideia, 8 vezes em nosso texto!), que significa “(1) o ato de prover orientação para uma vida responsável, educação, treinamento, instrução, em nossa literatura, principalmente por meio de disciplina, correção”.[2]  A competência lógico-argumentativa do autor entra em ação para provar a sua tese. (1) todo pai amoroso corrige seus filhos, logo, se você é um cristão e, de alguma forma, não está “apanhando”, você não é filho legítimo de Deus. (2) Os pais terrenos disciplinam seus filhos de acordo com a sua capacidade (e estes os respeitam), Deus nos disciplina para sermos participantes de sua santidade. (3) a disciplina não parece motivo de alegria enquanto a estamos sofrendo, mas de tristeza, depois, no entanto, ela produz frutos de justiça.

Porque o cristão sofre? O cristão sofre como uma disciplina paternal de Deus que visa fazê-lo participante de sua santidade e alguém que gera frutos de justiça. É por meio de sofrimentos que Deus imprime a sua semelhança em nós. Se vivêssemos como gostaríamos o resultado seria afastamento de Deus e afundamento em pecados.

Somente depois dessas considerações é que o autor bíblico apresenta o seu imperativo:

 

Hebreus 12.12 Por isso, restabelecei as mãos descaídas e os joelhos trôpegos; 13 e fazei caminhos retos para os pés, para que não se extravie o que é manco; antes, seja curado.

Pense na imagem de um corredor de maratona esgotado ou um lutador de UFC arrebentado e exausto. Essa é a ideia aqui. A vida cristã é uma peleja renhida. Estamos em batalha que nos arranca sangue. Muitas vezes as situações à nossa volta e os ferimentos adquiridos no caminho nos farão considerar desistir e desviar da rota (Hb 12.1-3). Deus nos chama a ficarmos novamente eretos e firmarmos os passos. Há cura nele para o corpo cansado e para a alma ferida. Ele é a própria fonte inesgotável na qual você encontra renovo para continuar lutando. Ele é aquele que ao final te dará a água viva, a coroa da vida e o prêmio reservado para aqueles que conseguiram vencer.

Aqui, se você é filho, o teu pai celeste de disciplina. Lá, ele te receberá com seus braços paternais abertos e você terá aposentos na casa do Pai, para sempre.

 

[1] Paul Ellingworth, The Epistle to the Hebrews: a commentary on the Greek text (New International Greek Testament Commentary; Grand Rapids, MI; Carlisle: W.B. Eerdmans; Paternoster Press, 1993), 80.

[2] William Arndt, Frederick W. Danker, e Walter Bauer, A Greek-English lexicon of the New Testament and other early Christian literature (Chicago: University of Chicago Press, 2000), 748.

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