Oração Vida prática

Pai “Nosso”: Uma Oração Comunitária

Uma das críticas feitas ao cristianismo em nossa época é que ele é um cristianismo muito individualista, preocupado apenas com a salvação individual, o relacionamento pessoal com Deus e com Cristo, quais bênçãos o cristão individual pode conseguir da parte de Deus e como a igreja pode prover serviços para aqueles que a frequentam, um serviço personalizado. Essa mente consumista e individualista invadiu a Igreja e muitos cristãos querem apenas ir ao culto e sair sem ser notados e não querem pessoas invadindo a sua privacidade.

O problema de tais tendências é que o cristianismo do Novo Testamento é uma religião comunitária muito mais do que individual. É claro que existem aspectos individuais na salvação, mas uma vez que o cristão individualmente entre nesse relacionamento com Jesus Cristo e com o Pai, ele passa necessariamente a fazer parte de uma comunidade. Essa ideia comunitária fica claríssima na oração do Pai Nosso.

Pai nosso, que estás nos céus,

santificado seja o teu nome;

10 venha o teu Reino;

seja feita a tua vontade,

assim na terra como no céu;

11 o pão nosso de cada dia nos dá hoje;

12 e perdoa-nos as nossas dívidas,

assim como nós também perdoamos

aos nossos devedores;

13 e não nos deixes cair em tentação;

mas livra-nos do mal

Mateus 6.9-13

Além da oração do Pai Nosso, há várias maneiras de comprovar essa realidade no Novo Testamento e para aquele que têm um conhecimento geral do mesmo, eu nem precisaria usar argumentos, mas aqui quero apresentar 4 argumentos que demonstram o caráter comunitário do cristianismo e, consequentemente, 4 motivos pelos quais oramos “Pai Nosso” em vez de “Meu Pai que está nos céus”. Os argumentos que veremos são: (1) O conceito de Koinonia; (2) O uso de pronomes na primeira e segunda pessoa do plural; (3) O uso de verbos na primeira e segunda pessoa do plural; (4) o uso de pronomes reflexivos e (5) os termos bíblicos para falar sobre a Igreja que enfatizam a realidade comunitária da mesma.

1 Os conceitos de Comunhão (κοινωνίᾳ)

            Assim que a Igreja nasce em Atos 2 enquanto igreja católica, ela nasce como uma comunidade. Tanto no grego quanto no português a palavra comunidade é derivada da palavra “comum”, algo que não é destacado ou especial. Assim, o conceito de comunidade é um conceito em que diversas pessoas têm um interesse comum, agem como sendo comuns umas para com as outras e colocam até mesmo suas propriedades e bens à disposição do bem comum. O texto mais claro para demonstrar a importância desses conceitos é Atos 2.42-47:

42 E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. 43 Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos. 44 Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. 45 Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. 46 Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, 47 louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos.

            Além do uso das expressões às quais estamos trazendo destaque, esse texto demonstra claramente o tipo de unidade que foi criada assim que a Igreja nasceu. Essa unidade continua no próximo resumo de Lucas: “Da multidão dos que creram era um o coração e a alma. Ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum” (Atos 4.32).

            Em Paulo, a expressão koinonia passa a ser prativamente um termo técnico para falar da salvação e do fato de que os crentes passam a usufruir uma comunhão com Cristo e uns com os outros. É nesse sentido que a expressão passa a fazer parte até mesmo da bênção apostólica: “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós” (2Co 13.13; veja tb. Fp 2.1). Essa comunhão é o que fazia com que os cristãos, por exemplo, participassem da evangelização de outras regiões ao dar suporte financeiro ao apóstolo Paulo: “Dou graças pela maneira como vocês têm participado na proclamação do evangelho, desde o primeiro dia até agora” (Fp 1.5). Literalmente o texto diz, dou graças pela “comunhão vossa no evangelho” e logo após, Paulo afirma que é justo pensar assim dos filipenses, “pois todos vocês são participantes [comungantes] da graça comigo” (Fp 1.7; veja tb. Fp 4.14-15). Um dos argumentos de Paulo para convencer Filemom de que ele deveria perdoar Onésimo foi exatamente a comunhão que havia entre Paulo e Filemom (1.6, 17). O apóstolo João também atribui grande valor à comunhão (1Jo 1.3, 6-7; Ap 1.9).

2 O uso de pronomes na primeira e segunda pessoa do plural

Aquilo que acontece em nosso texto acontece também em diversos lugares, ou seja, o uso de pronomes plurais quando pronomes singulares também poderiam ser usados. Os pronomes de primeira e segunda pessoa do plural (nós, vós) são usados 2.704 vezes no Novo Testamento! É evidente que é impossível analisar cada uma dessas ocorrências aqui, mas podemos apresentar uns poucos exemplos:

Mt 1.23: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel.” (Emanuel significa: “Deus conosco”.)

Mt 6.8: Não sejam, portanto, como eles; porque o Pai de vocês sabe o que vocês precisam, antes mesmo de lhe pedirem.

Lc 6.22: — Bem-aventurados são vocês quando as pessoas os odiarem, expulsarem da sua companhia, insultarem e rejeitarem o nome de vocês como indigno, por causa do Filho do Homem.

Lc 12.12: Porque o Espírito Santo lhes ensinará, naquela mesma hora, as coisas que vocês devem dizer.

Jo 15.17: O que eu lhes ordeno é isto: que vocês amem uns aos outros.

Jo 17.11: Já não estou no mundo, mas eles continuam no mundo, enquanto eu vou para junto de ti. Pai santo, guarda-os em teu nome, que me deste, para que eles sejam um, assim como nós somos um.

At 2.38: Pedro respondeu: — Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos seus pecados, e vocês receberão o dom do Espírito Santo.

Rm 1.7: A todos os amados de Deus que estão em Roma, chamados para ser santos. Que a graça e a paz de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo estejam com vocês.

Rm 4.25: o qual foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou para a nossa justificação.

Rm 8.31: Que diremos, então, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós?

Rm 15.2: Portanto, cada um de nós agrade ao próximo no que é bom para edificação.

1Co 1.2: à igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos, com todos os que em todos os lugares invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso.

1Co 6.19: Será que vocês não sabem que o corpo de vocês é santuário do Espírito Santo, que está em vocês e que vocês receberam de Deus, e que vocês não pertencem a vocês mesmos?

1Co 6.20: Porque vocês foram comprados por preço. Agora, pois, glorifiquem a Deus no corpo de vocês.

2Co 3.18: E todos nós, com o rosto descoberto, contemplando a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, que é o Espírito.

Gl 6.1: Irmãos, se alguém for surpreendido em alguma falta, vocês, que são espirituais, restaurem essa pessoa com espírito de brandura. E que cada um tenha cuidado para que não seja também tentado.

Ef 1.3: Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais em Cristo.

Cl 3.3: Porque vocês morreram, e a vida de vocês está oculta juntamente com Cristo, em Deus.

1Ts 2.1: Irmãos, vocês sabem muito bem que a nossa chegada no meio de vocês não foi em vão.

Ap 7.10: E clamavam com voz forte, dizendo: “Ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação.”

3 O uso de verbos na primeira e segunda pessoa do plural

            Verbos na primeira e segunda pessoa do plural (nós e vós) aparecem 6.649 vezes no Novo Testamento. Só no imperativo, temos 781 verbos no plural. Novamente, veremos apenas alguns deles.

Mt 3.2: Ele dizia: — Arrependam-se, porque está próximo o Reino dos Céus.

Rm 16.3: Saúdem Priscila e Áquila, meus cooperadores em Cristo Jesus,

1Co 6.18: Fujam da imoralidade sexual! Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora do corpo; mas aquele que pratica imoralidade sexual peca contra o próprio corpo.

Gl 6.1: Irmãos, se alguém for surpreendido em alguma falta, vocês, que são espirituais, restaurem essa pessoa com espírito de brandura. E que cada um tenha cuidado para que não seja também tentado.

Hb 12.14: Procurem viver em paz com todos e busquem a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor.

Tg 4.7: Portanto, sujeitem-se a Deus, mas resistam ao diabo, e ele fugirá de vocês.

1Pe 2.2: Como crianças recém-nascidas, desejem o genuíno leite espiritual, para que, por ele, lhes seja dado crescimento para a salvação,

1Jo 5.21: Filhinhos, cuidado com os ídolos!

4 O uso de pronomes reflexivos

Mc 9.50: O sal é bom; mas, se o sal vier a se tornar insípido, como lhe restaurar o sabor? Tenham sal em vocês mesmos e paz uns com os outros.

Jo 13.14: Ora, se eu, sendo Senhor e Mestre, lavei os pés de vocês, também vocês devem lavar os pés uns dos outros.

Jo 13.34: Eu lhes dou um novo mandamento: que vocês amem uns aos outros. Assim como eu os amei, que também vocês amem uns aos outros.

Jo 13.35: Nisto todos conhecerão que vocês são meus discípulos: se tiverem amor uns aos outros.

Jo 15.12: — O meu mandamento é este: que vocês amem uns aos outros, assim como eu os amei.

Jo 15.17: O que eu lhes ordeno é isto: que vocês amem uns aos outros.

Rm 1.12: isto é, para que nos consolemos uns aos outros por meio da fé mútua: a de vocês e a minha.

Rm 12.5: assim também nós, embora sejamos muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros.

Rm 12.10: Amem uns aos outros com amor fraternal. Quanto à honra, deem sempre preferência aos outros.

Rm 12.16: Tenham o mesmo modo de pensar de uns para com os outros. Em vez de serem orgulhosos, sejam solidários com os humildes. Não sejam sábios aos seus próprios olhos.

Rm 13.8: Não fiquem devendo nada a ninguém, exceto o amor de uns para com os outros. Pois quem ama o próximo cumpre a lei.

Rm 14.13: Portanto, deixemos de julgar uns aos outros. Pelo contrário, tomem a decisão de não pôr tropeço ou escândalo diante do irmão.

Rm 14.19: Assim, pois, sigamos as coisas que contribuem para a paz e também as que são para a edificação mútua.

Rom 15.5: Ora, o Deus da paciência e da consolação lhes conceda o mesmo modo de pensar de uns para com os outros, segundo Cristo Jesus,

Rm 15.7: Portanto, acolham uns aos outros, como também Cristo acolheu vocês para a glória de Deus.

Rm 15.14: E eu mesmo, meus irmãos, estou certo de que vocês estão cheios de bondade, têm todo o conhecimento e são aptos para admoestar uns aos outros.

Rm 16.16: Saúdem uns aos outros com um beijo santo. Todas as igrejas de Cristo mandam saudações.

1Co 11.33: Assim, meus irmãos, quando vocês se reúnem para comer, esperem uns pelos outros.

1Co 12.25: para que não haja divisão no corpo, mas para que os membros cooperem, com igual cuidado, em favor uns dos outros.

1Co 16.20: Todos os irmãos mandam saudações. Saúdem uns aos outros com um beijo santo.

2Co 13.12: Saúdem uns aos outros com um beijo santo. Todos os santos mandam saudações.

Gl 5.13: Porque vocês, irmãos, foram chamados à liberdade. Mas não usem a liberdade para dar ocasião à carne; pelo contrário, sejam servos uns dos outros, pelo amor.

Gl 5.15: Mas, se vocês ficam mordendo e devorando uns aos outros, tenham cuidado para que não sejam mutuamente destruídos.

Gl 5.26: Não nos deixemos possuir de vanglória, provocando uns aos outros, tendo inveja uns dos outros.

Gl 6.2: Levem as cargas uns dos outros e, assim, estarão cumprindo a lei de Cristo.

Ef 4.2: com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando uns aos outros em amor,

Ef 4.25: Por isso, deixando a mentira, que cada um fale a verdade com o seu próximo, porque somos membros do mesmo corpo.

Ef 4.32: Pelo contrário, sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando uns aos outros, como também Deus, em Cristo, perdoou vocês.

Ef 5.21: Sujeitem-se uns aos outros no temor de Cristo.

Fp 2.3: Não façam nada por interesse pessoal ou vaidade, mas por humildade, cada um considerando os outros superiores a si mesmo,

Cl 3.9: Não mintam uns aos outros, uma vez que vocês se despiram da velha natureza com as suas práticas

Cl 3.13: Suportem-se uns aos outros e perdoem-se mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outra pessoa. Assim como o Senhor perdoou vocês, perdoem também uns aos outros.

1Ts 3.12: E o Senhor faça com que cresça e aumente o amor de uns para com os outros e para com todos, como também o nosso amor por vocês,

1Ts 4.9: Quanto ao amor fraternal, não há necessidade de que eu lhes escreva, porque vocês mesmos foram instruídos por Deus a amar uns aos outros.

1Ts 4.18: Portanto, consolem uns aos outros com estas palavras.

1Ts 5.11: Portanto, consolem uns aos outros e edifiquem-se mutuamente, como vocês têm feito até agora.

1Ts 5.15: Tenham cuidado para que ninguém retribua aos outros mal por mal; pelo contrário, procurem sempre o bem uns dos outros e o bem de todos.

2Ts 1.3: Irmãos, devemos sempre dar graças a Deus por vocês, como convém, pois a fé que vocês têm cresce cada vez mais, e o amor que todos vocês têm uns pelos outros vai aumentando.

Hb 10.24: Cuidemos também de nos animar uns aos outros no amor e na prática de boas obras.

Tg 4.11: Irmãos, não falem mal uns dos outros. Aquele que fala mal do irmão ou julga o seu irmão fala mal da lei e julga a lei; ora, se você julga a lei, não é observador da lei, mas juiz.

Tg 5.9: Irmãos, não se queixem uns dos outros, para que vocês não sejam julgados. Eis que o juiz está às portas.

Tg 5.16: Portanto, confessem os seus pecados uns aos outros e orem uns pelos outros, para que vocês sejam curados. Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo.

1Pe 1.22: Tendo purificado a alma pela obediência à verdade, e com vistas ao amor fraternal não fingido, amem intensamente uns aos outros de coração puro.

1Pe 4.9: Sejam mutuamente hospitaleiros, sem murmuração.

1Pe 5.5: Peço igualmente aos jovens: estejam sujeitos aos que são mais velhos. Que todos se revistam de humildade no trato de uns com os outros, porque “Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes.”

1Pe 5.14: Saúdem uns aos outros com um beijo fraterno. Paz a todos vocês que estão em Cristo.

1Jo 1.7: Se andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado.

1Jo 3.11: Porque a mensagem que vocês ouviram desde o princípio é esta: que nos amemos uns aos outros.

1Jo 3.23: E o seu mandamento é este: que creiamos no nome de seu Filho, Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, segundo o mandamento que nos ordenou.

1Jo 4.7: Amados, amemo-nos uns aos outros, porque o amor procede de Deus, e todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus.

1Joa 4.11: Amados, se Deus nos amou de tal maneira, nós também devemos amar uns aos outros.

1Jo 4.12: Nunca ninguém viu Deus. Se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor é, em nós, aperfeiçoado.

2Jo 5: E agora, senhora, peço-lhe, não como se escrevesse mandamento novo, mas o mesmo que temos tido desde o princípio: que nos amemos uns aos outros.

5 Termos bíblicos para falar sobre a Igreja

Assembléia (Eklesia): os chamados para fora (Mt 16.18)

Família da fé e de Deus (Gl 6.10; Ef 2.19)

Corpo composto de órgãos (Ef 4; 1Co 12)

Edifício composta de pedras vivas (1Pe 2.5)

Conclusão

            Assim, ao orarmos o Pai “Nosso”, devemos nos lembrar que não o fazemos como indivíduos cristãos, mas como uma comunidade composta por aqueles que por meio de Jesus Cristo tem o direito de chamar a Deus de Pai. Assim, não nos preocupamos apenas com os nossos próprios interesses, mas buscamos a Deus conscientes de que somos parte de uma família de irmãos que foram igualmente adotados pela obra do Senhor Jesus Cristo. Oramos não somente por nós, mas pelos nossos irmãos que têm necessidades semelhantes às nossas e precisam de cuidados semelhantes. Mesmo quando estamos sozinhos, ao orarmos o Pai “Nosso” aproximamo-nos de Deus conscientes e que somos parte de uma família muito maior e ao orarmos por nós oramos também por eles.

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